Sobre Educação Física e Intervenção Antiracista
Extraído do site: Kilombagem
José Evaristo Silvério Netto
(opinião do autor)
Educação Social em Destaque:
Pedagogia Social Como Teoria Geral, Afrocentricidade Enquanto
Perspectiva Analítica e Orientação Política, e Esporte Educacional
Enquanto Metodologia de Trabalho
Há
algum tempo venho refletindo sobre as dificuldades em implementar uma
educação antirracista dentro e fora das escolas, como processos para o
empoderamento da população em situação de vulnerabilidade social. Muito
se discute e se escreve sobre esta matéria, e devido à transpiração de
muitos estudiosos e dos movimentos negros e outros movimentos
antirracistas, hoje temos disponível uma ampla literatura sobre a
história e cultura afro-brasileira e africana, e sobre a contribuição
da população negra africana e afrodiaspórica para o desenvolvimento da
humanidade. No sentido de descortinar e desconstruir as bases racistas
científicas, políticas e culturais, muitas linhas de pesquisa em
diversas áreas de concentração de conhecimento estão sendo construídas,
para investigações de diversas naturezas.
Porém, embora observemos um aumento no
número de pesquisas sobre a cultura negra africana e afrodiaspórica,
sobre o racismo e seus impactos, e pesquisas correlatas que têm como
proposta criar acúmulo teórico e jurisprudência combativa frente às
desigualdades sociais, percebo que ainda é incipiente na literatura a
incidência de construtos teóricos robustos orientados à implantação e
implementação de uma efetiva educação antirracista que esteja alinhada
às demandas da realidade brasileira para a superação dos problemas
sociais.
Parece existir uma inércia hegemônica
no âmbito das ações sociais e condutas que inviabilizam, ou pelo menos
prejudicam bastante a implementação efetiva de uma práxis
contra-hegemônica, essencialmente antirracista. Em qualquer ambiente,
seja na educação pública e privada, no mercado de trabalho em
instituições públicas e empresas privadas, no cenário esportivo, no
terceiro setor, e até no cenário político nas esferas executiva,
legislativa, e no judiciário, o que percebemos são produções culturais
e condutas orientadas pelo capitalismo e racismo, de modo que qualquer
práxis contra-hegemônica cause grande incômodo e sérios desgastes e
colapsos nas relações interpessoais e institucionais. Isso significa
dizer que tanto as instituições quanto as pessoas, possuem o racismo e
o capitalismo enquanto engrenagens que operam e condicionam os
processos de interpretação dos sentidos e da realidade, avaliação e
construção de cultura, sentidos e ação social e institucional, de forma
consciente e subconsciente (computacional), como um sistema de
retroalimentação complexo.
Acredito que a conscientização é um
processo importante para que seja possível enfrentar as mazelas
sociais, em especial o racismo e seus efeitos. Um conceito que têm
vigorado há muito tempo nos círculos dos movimentos negros, e há pouco
tempo na academia no Brasil, é o de Consciência Negra, entendida como
possibilidade de as pessoas negras se situarem no tempo e no espaço
social, entendendo os processos de geração das desigualdades sociais
que se apoiam na etnia/cor. A problemática se estabelece na medida em
que, apesar de muito debate sobre Consciência Negra, pouco se produziu
sobre tecnologias educacionais para o seu desenvolvimento.
Entendo que a Educação é um processo
que nos permite apreender conhecimentos, introjentando-os,
identificando-os como importantes e, consequentemente, mudando nossa
interação com o mundo, com as pessoas, transformando nossa produção
cultural e ação social, como resultado desta introjeção, identificação
e integração dos conhecimentos incorporados ao nosso espírito e
consciência. Mas na área de concentração de estudos da Educação, ou da
Pedagogia, o que se têm disponível de forma geral são construtos
teóricos universalistas que não conseguem problematizar com
profundidade as fontes das desigualdades sociais que se complexificam,
ganhando novos contornos e criando novas tecnologias de manutenção do status quo
e das desigualdades entre as populações. Enquanto o racismo, para citar
uma fonte de desigualdade social, se imbrica nos mecanismos de produção
cultural humana de maneira individual e institucional, determinando
padrões de pensamento, discursos, e ações sociais discriminatórias
individuais e institucionais, as pedagogias críticas que deveriam
problematizar esta questão encontram dificuldades por falta de
consistência nas dimensões teórica, filosófica, política e
metodológica, para o seu desenvolvimento junto aos profissionais da
educação. Mais do que falta de consistência, o que percebo é uma
ausência de transversalidade entre estas dimensões, para lidar com a
complexidade dos fenômenos sociais e, nestes, empreender uma educação
que seja significativa não apenas para uma parcela diminuta da
população, mas para ela toda, uma vez que se potencialize igualdade de
oportunidades e superação do racismo, e das outras engrenagens de
dominação.
No exercício de refletir sobre as
questões supracitadas, começo a entender que talvez seja pertinente a
tentativa de realizar aproximações teóricas, utilizando construtos
importantes e coerentes com um projeto político societário que reze
pela superação dos fatores limitantes ao desenvolvimento humano, à
igualdade em oportunidades, ao exercício pleno de cidadania, e à
participação de todas as pessoas. Aproximações teóricas utilizando
construtos orientados às especificidades das relações entre cor/etnia,
classe social, religião, e outras características sociodemográficas que
hoje são determinantes para a manutenção das diferenças e violências
sociais. Percebo que a Educação Social pode ser um processo de
empoderamento importante das populações vulneráveis, e que a Pedagogia
Social dentro da perspectiva brasileira através das produções do
professor Roberto da Silva, trás um background teórico
importantíssimo considerando suas linhas de pesquisa, a citar domínio
sociocultural, domínio sociopedagógico e domínio sociopolítico, sendo,
portanto, uma Teoria Geral da Educação Social. Acredito que a
afrocentricidade enquanto orientação e perspectiva de análise da
realidade, segundo Kete Molefi Assante, pode ser um grande aliado da
Pedagogia Social voltada a uma educação antirracista. E finalmente,
pensando na Educação Física enquanto um componente curricular que têm
como uma das linhas de intervenção a corporeidade e a cultura corporal,
temos a metodologia de trabalho do Esporte Educacional e suas
tecnologias de ensino e aprendizagem que podem ser utilizados para a
operação do processo educativo.
Desta forma, vislumbro a possibilidade
em desenvolver um debate sobre a Educação Física, que é a minha área
profissional, dentro da Pedagogia Social, com vistas à superação do
racismo e apoiada também à análise crítica afrocentrada da realidade
social, política, histórica, do negro no Brasil.
José Evaristo Silvério Netto
Graduação
em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista - UNESP,
mestrado em Educação Física pela Universidade Estadual de Londrina.
Atua profissionalmente como consultor técnico do Departamento
Pedagógico (Núcleo Pedagógico Multidisciplinar) do Grêmio Recreativo
Barueri (GRB), e como professor da rede de ensino na Secretaria de
Educação de Osasco - SP. Em Barueri, esta à frente dos estudos
sociodemográficos envolvendo jovens engajados nas atividades dos
Núcleos de Formação Esportiva do GRB. Participa do grupo de pesquisa em
Pedagogia Social, na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
- FEUSP, onde pretende fazer o doutorado em Educação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário