quarta-feira, 6 de março de 2013

Sobre Educação Física e Intervenção Antirracista

Sobre Educação Física e Intervenção Antiracista

 Extraído do site: Kilombagem


José Evaristo Silvério Netto
(opinião do autor)

Educação Social em Destaque: Pedagogia Social Como Teoria Geral, Afrocentricidade Enquanto Perspectiva Analítica e Orientação Política, e Esporte Educacional Enquanto Metodologia de Trabalho

                Há algum tempo venho refletindo sobre as dificuldades em implementar uma educação antirracista dentro e fora das escolas, como processos para o empoderamento da população em situação de vulnerabilidade social. Muito se discute e se escreve sobre esta matéria, e devido à transpiração de muitos estudiosos e dos movimentos negros e outros movimentos antirracistas, hoje temos disponível uma ampla literatura sobre a história e cultura afro-brasileira e africana, e sobre a contribuição da população negra africana e afrodiaspórica para o desenvolvimento da humanidade. No sentido de descortinar e desconstruir as bases racistas científicas, políticas e culturais, muitas linhas de pesquisa em diversas áreas de concentração de conhecimento estão sendo construídas, para investigações de diversas naturezas.

Porém, embora observemos um aumento no número de pesquisas sobre a cultura negra africana e afrodiaspórica, sobre o racismo e seus impactos, e pesquisas correlatas que têm como proposta criar acúmulo teórico e jurisprudência combativa frente às desigualdades sociais, percebo que ainda é incipiente na literatura a incidência de construtos teóricos robustos orientados à implantação e implementação de uma efetiva educação antirracista que esteja alinhada às demandas da realidade brasileira para a superação dos problemas sociais.
Parece existir uma inércia hegemônica no âmbito das ações sociais e condutas que inviabilizam, ou pelo menos prejudicam bastante a implementação efetiva de uma práxis contra-hegemônica, essencialmente antirracista. Em qualquer ambiente, seja na educação pública e privada, no mercado de trabalho em instituições públicas e empresas privadas, no cenário esportivo, no terceiro setor, e até no cenário político nas esferas executiva, legislativa, e no judiciário, o que percebemos são produções culturais e condutas orientadas pelo capitalismo e racismo, de modo que qualquer práxis contra-hegemônica cause grande incômodo e sérios desgastes e colapsos nas relações interpessoais e institucionais. Isso significa dizer que tanto as instituições quanto as pessoas, possuem o racismo e o capitalismo enquanto engrenagens que operam e condicionam os processos de interpretação dos sentidos e da realidade, avaliação e construção de cultura, sentidos e ação social e institucional, de forma consciente e subconsciente (computacional), como um sistema de retroalimentação complexo.
Acredito que a conscientização é um processo importante para que seja possível enfrentar as mazelas sociais, em especial o racismo e seus efeitos. Um conceito que têm vigorado há muito tempo nos círculos dos movimentos negros, e há pouco tempo na academia no Brasil, é o de Consciência Negra, entendida como possibilidade de as pessoas negras se situarem no tempo e no espaço social, entendendo os processos de geração das desigualdades sociais que se apoiam na etnia/cor. A problemática se estabelece na medida em que, apesar de muito debate sobre Consciência Negra, pouco se produziu sobre tecnologias educacionais para o seu desenvolvimento.
Entendo que a Educação é um processo que nos permite apreender conhecimentos, introjentando-os, identificando-os como importantes e, consequentemente, mudando nossa interação com o mundo, com as pessoas, transformando nossa produção cultural e ação social, como resultado desta introjeção, identificação e integração dos conhecimentos incorporados ao nosso espírito e consciência. Mas na área de concentração de estudos da Educação, ou da Pedagogia, o que se têm disponível de forma geral são construtos teóricos universalistas que não conseguem problematizar com profundidade as fontes das desigualdades sociais que se complexificam, ganhando novos contornos e criando novas tecnologias de manutenção do status quo e das desigualdades entre as populações. Enquanto o racismo, para citar uma fonte de desigualdade social, se imbrica nos mecanismos de produção cultural humana de maneira individual e institucional, determinando padrões de pensamento, discursos, e ações sociais discriminatórias individuais e institucionais, as pedagogias críticas que deveriam problematizar esta questão encontram dificuldades por falta de consistência nas dimensões teórica, filosófica, política e metodológica, para o seu desenvolvimento junto aos profissionais da educação. Mais do que falta de consistência, o que percebo é uma ausência de transversalidade entre estas dimensões, para lidar com a complexidade dos fenômenos sociais e, nestes, empreender uma educação que seja significativa não apenas para uma parcela diminuta da população, mas para ela toda, uma vez que se potencialize igualdade de oportunidades e superação do racismo, e das outras engrenagens de dominação.
No exercício de refletir sobre as questões supracitadas, começo a entender que talvez seja pertinente a tentativa de realizar aproximações teóricas, utilizando construtos importantes e coerentes com um projeto político societário que reze pela superação dos fatores limitantes ao desenvolvimento humano, à igualdade em oportunidades, ao exercício pleno de cidadania, e à participação de todas as pessoas. Aproximações teóricas utilizando construtos orientados às especificidades das relações entre cor/etnia, classe social, religião, e outras características sociodemográficas que hoje são determinantes para a manutenção das diferenças e violências sociais. Percebo que a Educação Social pode ser um processo de empoderamento importante das populações vulneráveis, e que a Pedagogia Social dentro da perspectiva brasileira através das produções do professor Roberto da Silva, trás um background teórico importantíssimo considerando suas linhas de pesquisa, a citar domínio sociocultural, domínio sociopedagógico e domínio sociopolítico, sendo, portanto, uma Teoria Geral da Educação Social. Acredito que a afrocentricidade enquanto orientação e perspectiva de análise da realidade, segundo Kete Molefi Assante, pode ser um grande aliado da Pedagogia Social voltada a uma educação antirracista. E finalmente, pensando na Educação Física enquanto um componente curricular que têm como uma das linhas de intervenção a corporeidade e a cultura corporal, temos a metodologia de trabalho do Esporte Educacional e suas tecnologias de ensino e aprendizagem que podem ser utilizados para a operação do processo educativo.
Desta forma, vislumbro a possibilidade em desenvolver um debate sobre a Educação Física, que é a minha área profissional, dentro da Pedagogia Social, com vistas à superação do racismo e apoiada também à análise crítica afrocentrada da realidade social, política, histórica, do negro no Brasil.


José Evaristo Silvério Netto


Graduação em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista - UNESP, mestrado em Educação Física pela Universidade Estadual de Londrina. Atua profissionalmente como consultor técnico do Departamento Pedagógico (Núcleo Pedagógico Multidisciplinar) do Grêmio Recreativo Barueri (GRB), e como professor da rede de ensino na Secretaria de Educação de Osasco - SP. Em Barueri, esta à frente dos estudos sociodemográficos envolvendo jovens engajados nas atividades dos Núcleos de Formação Esportiva do GRB. Participa do grupo de pesquisa em Pedagogia Social, na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - FEUSP, onde pretende fazer o doutorado em Educação.

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